MÃE DÁGUA
"O aparelho colonial escravista seqüestrou filhos e filhas de uma única mãe. Corpos distintos embarcados rumo à mesma travessia (ÁGUA SALGADA). Talvez esteja nesse deslocamento forçado a primeira consciência de unidade fora de África. Penso ser a religião, um dos principais fundamentos da 'diáspora em contato' (ÁGUA DOCE) ".
No Maranhão, assim como boa parte dos Estados do Litoral Brasileiro, a diáspora unificou experiências de homens e mulheres arrancados da região Central e da Costa Ocidental africana. Submetidos ao esquecimento, a religiosidade é um dos principais elos de permanência, identificação e manutenção dessas tradições em contato com um território previamente colonizado. Reis, Rainhas e seus correspondentes espirituais ocuparam/ocupam lugares de trabalho e morada por todo território maranhense. No centro da Ilha de Upaon-Açu (São Luís), os terreiros matriarcais dos Tambores de Mina destinados ao culto de Voduns, Orixás e Gentis, demarcam espacialidade ao domínio feminino da água salgada. Iemanjá, por exemplo , reafirma sua posição como mãe, territorializando-se pelas praias e boqueirões. Cruzando e agregando narrativas já existentes.
Na medida em que as explorações dos corpos africanos se atualizavam, a experiência religiosa diaspórica entrava em contato com diferentes territórios. Nos salões de Pajés e Curadores da Baixada Maranhense, por exemplo, presenciamos a figura feminina da mãe d'água, correspondente aos domínios da água doce, alocadas em cacimbas e igarapés. As narrativas sobre mãe d'água moram na experiência do vivido, encruzando nossos caminhos desde à infância.
Integrando-se às matas e outros domínios, a água é um dos principais elementos da ENCANTARIA. Assim como "todas as águas vão para o mar", o cruzamento da água doce com a água salgada atualiza movimentos de migração, permitindo outros contatos, expandindo a encantaria e os encantados por outros territórios, subindo ao Norte ou descendo ao Nordeste brasileiro. Nessa encruzilhada, a multiplicidade contida nos fundamentos da ENCANTARIA torna-se um dos principais fatores de expansão e manutenção desse Universo, onde corpos distintos continuam embarcados rumo a outras travessias, "navegando sobre as duas águas".




















"Sentimento individual da experiência religiosa no cotidiano em contato com os invisíveis/encantados ou com os seus lugares de morada. Desse modo, ENCANTARIA é a manifestação coletiva dessa experiência".
Pablo Monteiro